O ato de amor praticado por Roseli Placedina Pires e o esposo Mário Alves, doando todos os órgãos do filho Alex, somado à dedicação do pessoal ligado ao Serviço e à Comissão de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Scihdott), do Hospital Universitário Regional de Maringá, fazem do Setembro Verde um mês especial de sensibilização sobre o tema. Também consolidar 27 de Setembro como o Dia Nacional da Doação de Órgãos.
Alex morreu em um acidente de moto, em agosto de 2007. Tinha 21 anos. Pastora evangélica há cerca de 16 anos, Roseli não tinha ideia à época da grandeza e da imensidão do gesto que a família estava praticando. “Mas sabia que era algo muito bom, que iria ajudar muitas pessoas”, diz ela. Hoje, está ainda mais convicta da relevância desta atitude.
Passado algum tempo, a pastora voltou ao luto, conforme definição dela própria. Foi quando começou a passar mal e acabou perdendo os rins. Transplantada faz seis anos, diz que “voltou a viver”, principalmente pelo fato de não ter precisado mais fazer hemodiálise.
O caso da enfermeira Raquel de Moraes Fonseca, funcionária de um grande hospital privado de Maringá, não é menos simbólico. Raquel ganhou um novo rim há 9 anos, após ter se cadastrado no serviço para receber o transplante e aguardado cerca de um ano e meio na fila.Ela teve o diagnóstico de insuficiência renal aos 25 anos. Num gesto de amor, a irmã dela, Débora, decidiu doar o rim em vida para a enfermeira, mas, a tentativa falhou porque Raquel apresentou uma intercorrência durante a cirurgia, retornando à hemodiálise em seguida.
Raquel enfatiza que quem decide ser doador protagoniza uma atitude de amor incondicional. No caso de um doador falecido, entende que somente Deus explica a generosidade de uma família que, mesmo numa situação de dor, aceitou autorizar a doação. “Ela doa sem saber a quem vai doar, a família não te conhece nem sabe o que está passando. É uma atitude de generosidade que não tem tamanho”, diz.
Outro caso, o de Dorival Donizete Stabile, dá a dimensão sobre o que é o desespero de se descobrir com uma infecção causada por vírus a ponto de comprometer um órgão, e a angústia de ter que aguardar a vez de um transplante. Em meados de 2003, Dorival descobriu, depois de muitas investigações, que estava com o vírus da Hepatite C (contaminação não identificada até hoje), causador de uma doença silenciosa, na maioria das vezes, capaz de provocar complicações graves, como cirrose e câncer, até levar à morte.
Ele iniciou uma busca incansável para sobreviver. Esta jornada teve até recurso à Justiça para conseguir a opção de um segundo tratamento após a constatação de que o vírus tinha voltado a se reproduzir após 90 dias do fim do tratamento. Também teve a tentativa de cura com um remédio importado.
Na madrugada de 28 de agosto de 2016, Dorival recebeu o telefonema do Hospital Angelina Caron, em Curitiba, informando o surgimento de um fígado compatível com o dele. Como tinha quatro horas para comparecer ao local, pegou um táxi aéreo e viajou em companhia da esposa. Fez o transplante, permanecendo 64 dias no hospital.
Com 46 anos à época, retornou de Curitiba e ficou um ano em recuperação. Ele voltou a trabalhar dentro do que considera uma vida normal, atuando, hoje, como funcionário de uma indústria metalúrgica. “E cá estou com uma saúde invejável”, afirma. Recuperado, definiu prioridades, como a família, a própria saúde, a fé, o ser humano e a natureza. Imaginou e conseguiu ver os dois filhos (Andressa e Bruno Henrique) formados na UEM, em Odontologia e em Biologia.
Também alcançou outros dois desejos, o de ver os filhos casados e de poder apoiá-los financeiramente na compra de um apartamento para cada. Stabile vê como um presente divino a oportunidade de ter se tornado avô desde o último dia 28 de agosto, quando nasceu a neta Aurora. Um dia antes do nascimento dela, ele havia completo oito anos de transplante.
Dorival entende como oportuna as pessoas conversarem com os familiares a respeito da doação de órgãos. “Manifeste o teu desejo de um dia ser um doador, proporcione vida a quem tanto precisa, ajude pessoas a concretizarem seus sonhos”, diz ele. “Graças a um gesto solidário de uma família que, juntamente comigo, salvaram mais cinco vidas”.
TRABALHO DO HUM – A enfermeira Rosane Almeida de Freitas, coordenadora do SCIHDOTT, entende que setembro é especialmente significativo para a sensibilização de profissionais de saúde e comunidade em geral a respeito da doação de órgãos e tecidos para transplantes. Este ano a campanha lançada pelos profissionais que atuam no Serviço de Doação tem o tema “Doação de órgãos… Plante essa idéia!!!”.
O Serviço e a Comissão de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do HUM são coordenados por Rosane, com a colaboração dos enfermeiros Ellen Catarine Cabianchi e Fernando Taborda de Souza, além de profissionais da equipe multidisciplinar. O grupo é responsável por identificar potenciais doadores de órgãos e tecidos e, acima de tudo, se dedica a acolher as famílias de pacientes em estado crítico, independentemente da doação. Os profissionais oferecem apoio emocional e assistência nas questões sociais, buscando garantir um atendimento humanizado e digno, explica.
Por se tratar de um hospital universitário, a equipe também capacita profissionais de saúde. “Nosso trabalho é acolher e esclarecer dúvidas durante o processo de Determinação de Morte Encefálica ou mesmo na Parada Cardiorrespiratória e dar às famílias a possibilidade de doação de órgãos ou tecidos. Quando mostramos que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e tratamos com respeito, seja na comunicação da gravidade do caso ou após o óbito, a família entende e agradece nosso cuidado. Assim, a doação de órgãos e tecidos torna-se uma consequência da assistência humanizada que oferecemos”, esclarece Rosane.
Ela entende que passar por um processo de luto muitas vezes é inevitável. “Por isso, um acolhimento humanizado e respeitoso pode trazer alento e impactar positivamente às famílias, assim como um atendimento inadequado pode até causar danos emocionais irreparáveis”. “Doar algo que não faz falta é fácil, mas doar o bem mais precioso, alguém da nossa família é o maior ato de caridade que existe”, diz.
EXAMES PRÉ-TRANSPLANTES – Além do trabalho desenvolvido pela SCIHDOTT, a UEM conta com a contribuição do Laboratório de Imunogenética (LIG), o terceiro a fazer exames pré-transplante no Paraná.
Desde o início de abril deste ano, o Laboratório está aplicando os testes de histocompatibilidade para transplantes de órgãos sólidos de doadores falecidos.
Os exames de Painel de Reatividade de Anticorpos (PRA) e Prova Cruzada (CrossMatch), fundamentais para transplante de órgãos de doadores falecidos, eram feitos somente no Laboratório de Imunogenética do Hospital Universitário Cajuru, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), em Curitiba, e no Laboratório de Histocompatibilidade, do Hospital Universitário Regional de Londrina, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Uma das principais vantagens é a redução do tempo de espera, destacando que média é de um doador falecido por dia, totalizando cerca de 30 exames por mês.
Em abril foi iniciada a implantação do projeto de transição dos exames de Londrina para Maringá. O LIG começou a fazer a tipagem de antígenos leucocitários humanos (HLA) de doadores falecidos de órgãos, como rim, fígado, coração, entre outros. Neste segundo semestre, serão introduzidos os exames de monitoramento dos pacientes na lista de espera para transplantes renais e cardíacos, e, na sequência, os exames da prova cruzada, que é cruzar as células do doador com o sangue dessas pessoas que estão na lista de espera para saber quem pode receber.
O novo atendimento passou a se somar aos exames já efetuados no LIG, que são de tipagem HLA de receptores e doadores de medula óssea, nas diferentes etapas do processo de busca por doadores compatíveis (família e Cadastrado no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea – Redome).
DOE VIDA – A UEM também possui, desde 1997, o projeto “Doe Vida”, iniciado pelos professores do próprio Laboratório de Imunogenética. Coordenado pela professora Bruna Karina Banin Hirata, do Departamento de Ciências Básicas da Saúde (DBS), o projeto tem a participação de alunos de graduação e pós-graduação de diversos cursos da UEM.
O trabalho é desenvolvido por meio de campanhas de conscientização em eventos acadêmicos e sociais em Maringá e região. O principal objetivo é levar informações de forma clara e descomplicada à população sobre transplantes de órgãos e medula óssea, desmistificando os muitos mitos que cercam o tema. A equipe do projeto incentiva as pessoas a se tornarem doadoras, destacando a importância de conversarem com seus familiares sobre essa decisão, uma vez que, no Brasil, a autorização final cabe à família do doador.
O Paraná manteve a liderança nacional em doações de órgãos em 2023, registrando 42,5 doadores por milhão de população (pmp). Em números absolutos são 486 doadores efetivos. O Estado já tem uma das menores taxas de recusa familiar à doação de órgãos no país mas, segundo a coordenadora do “Doe Vida”, é fundamental que o trabalho de conscientização seja contínuo, de forma que esse índice se mantenha baixo, ou até mesmo diminua.
Sobre os mitos que cercam o tema doação, Bruna Karina Hirata considera que o mais comum é as pessoas acharem que deixar um documento por escrito expressando o desejo de ser doador de órgãos ou o registro no cartório seja suficiente para que a doação de órgãos ocorra. Há também quem acredite que a lista de espera por órgãos pode privilegiar pessoas que tenham mais condições financeiras.